Pesquisa revela que
compartilhar fotos íntimas via celular e praticar sexo são atividades afins
para os jovens. Eles, contudo, subestimam riscos envolvidos
Paula Reverbel
Uma pesquisa publicada nos
Estados Unidos nesta semana revelou que quase 30% dos adolescentes americanos
já praticaram alguma vez o sexting – ou seja, usaram seus smartphones para
disparar mensagens contendo fotos em que aparecem nus, acompanhadas ou não de
texto.
Quase 70% das garotas ouvidas no levantamento foram convidadas a praticar sexting |
O número, é claro, assusta. E os estudiosos da Universidade do Texas
responsáveis pela pesquisa descobriram ainda outras pistas que ajudam a
entender melhor esse fenômeno. A principal delas é que o sexting tem um vínculo
com a prática "real" do sexo. De acordo com o levantamento, entre as
adeptas do compartilhamento de fotos íntimas, cerca de 80% já praticaram sexo;
o número de sexualmente ativas cai pela metade entre aquelas que também não se
envolvem com sexting.
Entre os garotos, o comportamento é semelhante. "Ainda
não sabemos se é o sexting que leva ao sexo ou vice-versa, mas a prática de
compartilhar essas imagens íntimas parece ser um bom indício de comportamento
sexual", afirma o psicólogo Jeff Temple, principal autor do estudo, em
entrevista a VEJA.com. "Se um adolescente está enviando SMS com fotos
ousadas, provavelmente já está fazendo sexo." Ou está a caminho de perder
a virgindade.
O levantamento da
Universidade do Texas também descobriu que as fotos não são enviadas
indistintamente. Normalmente, o sexting é direcionado a uma pessoa específica,
com quem o adolescente já namora – ou gostaria de namorar. Outra revelação
importante traça uma distinção clara entre homens e mulheres. Quase 70% das
garotas ouvidas na pesquisa afirmaram que já receberam a solicitação que pode
dar início ao sexting, algo no estilo: "Me envie uma foto íntima
sua." Entre os rapazes, o índice é bem menor: 42% deles já foram
convidados à prática.
O estudo americano
considerou apenas imagens de nudez enviadas pelo celular, descartando casos em
que jovens usam o computador ou outro meio digital para mandar autorretratos
picantes. É o que a própria expressão "sexting" sugere. A palavra,
que já entrou para o dicionário Oxford da língua inglesa, é a junção de outras
duas: "sex", sexo, e "texting", que designa a troca de
mensagens de texto via celular.
Pesquisas que levam em conta também o
computador costumam encontrar taxas de adesão menores à prática – daí o susto
com os 30% revelados pelo novo estudo. Isso serve de alerta aos brasileiros.
A
pesquisa que se tornou referência sobre o assunto no país, feita em 2009 pela
SaferNet, associação que zela pelos direitos humanos na internet, apontou que
12,1% das 2.525 crianças e adolescentes ouvidos já haviam praticado o sexting
usando algum dispositivo eletrônico. É possível, portanto, que a participação
seja maior, se forem considerados os celulares exclusivamente.
A lógica e os
especialistas têm argumentos razoáveis para explicar por que os telefones
móveis concentram – e estimulam – o sexting. Em primeiro lugar, porque o
celular é um dispositivo para uso e porte pessoal por excelência, o que garante
privacidade a seu proprietário. No caso do computador, dá-se o inverso, e não
raro a máquina é compartilhada por várias pessoas da família. Temple acrescenta
ainda outra razão: "No celular, é muito fácil tirar uma fotografia e
mandá-la em seguida para um amigo ou pretendente. Já no computador, é preciso
salvar a foto e anexá-la a um e-mail, por exemplo. Esse percurso maior faz com
que o adolescente tenha mais oportunidade de refletir sobre o que está
fazendo."
Refletir sobre o sexting é
uma etapa oportuna – obrigatória, na verdade –, diante dos riscos a que estão
sujeitos seus praticantes. Uma das mais frequentes ameaças é o vazamento
indiscriminado das fotos, originalmente enviadas para destinatários (e com
propósitos) bem definidos.
Seja nos Estados Unidos ou no Brasil, as ocorrências
mais alarmantes parecem seguir um roteiro: a garota manda suas fotos para o
namorado, que, após o término do relacionamento, as repassa a amigos e
inimigos, preferencialmente os colegas de escola. A protagonista da trama, é
claro, é esmagada pelo constrangimento. Em 2008, a história teve desfecho
trágico: a americana Jessica Logan se enforcou aos 18 anos após sua foto, feita
na intimidade, passar pelos olhos de todos.
No Brasil, o caso mais
recente acabou em prisão. Aluna do primeiro ano do ensino médio do Colégio Maxi
de Cuiabá – primeiro colocada no ranking do Enem entre as escolas do Mato
Grosso –, uma garota de 14 anos fotografou-se nua. As imagens circularam entre os
colegas até que, há três semanas, um jovem de 18 anos foi preso em flagrante,
acusado de armazenar as tais fotos em seu celular. É crime produzir, divulgar,
compartilhar ou até mesmo possuir pornografia infantil. Imagens de outras
estudantes também circularam, mas não continham nudez, apenas insinuações
sensuais.
"Nós denunciamos o
caso à Polícia, embora as fotos tenham sido feitas fora dos domínios da
escola", diz o pedagogo Virgílio Tomasetti Júnior, diretor geral dos
Colégios Maxi de Londrina e de Cuiabá. "Recomendamos aos pais de todas as
envolvidas que as estudantes fossem transferidas para outra escola, evitando
constrangimentos, mas eles optaram por mantê-las aqui.
Agora, nosso desafio é
protegê-las de um eventual bullying." O pedagogo tem uma opinião bem
definida sobre a prática do sexting: "Deve que ser coibido: não leva a
nada e não ajuda em nada esses jovens. Erram os pais que permitem que isso
aconteça."
De acordo com a delegada
que cuida do caso, Alexandra Fachone, da Delegacia Especializada de Defesa dos
Direitos da Criança e do Adolescente (Deddica), o jovem que acabou preso era um
"paquera" da vítima. Após pagar pouco mais de 3.000 reais de fiança,
foi colocado em liberdade.
Além da posse das imagens, ele também pode ser
responsabilizado pela transmissão das fotos, caso fique comprovado, através da
perícia, que ele as divulgou. "Qualquer pessoa, maior de idade ou até
mesmo adolescente, que recebe imagens pornográficas de crianças e adolescentes
comete um crime ao armazená-las ou divulgá-las."
O castigo é certo,
previsto em lei. Mas seu potencial pedagógico é colocado em xeque pela
SaferNet, entidade que continua a se dedicar à questão. "Penalizar ações
individuais nesse caso é como enxugar gelo. Seria mais produtivo nos antecipar
ao problema, tentando ensinar os adolescentes a fazer boas escolhas na
internet", diz o psicólogo Rodrigo Nejm, diretor de prevenção da SaferNet
e estudioso do assunto. "A sexualidade da criança e do adolescente ainda é
um tabu para muitos pais e educadores. É preciso conversar com eles e
ensiná-los a usar a tecnologia com consciência."
Fonte: Revista Veja
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